Em um belo sábado do mês de junho, mês do aniversário da minha filha Antonella, comecei o dia como em tantos outros: com ela me chamando do berço, que fica ao lado da minha cama. Eram sons que só ela entende, mas que eu busco compreender. Acredito que ela estava me chamando para tirá-la dali. Assim começou o dia, com brincadeiras e sorrisos entre Pai e filha.
Depois, lembrei que precisava cortar o cabelo, o que sempre é um problema. Não gosto de ir ao barbeiro, talvez por não ter muita paciência para o processo de cortar cabelo e barba. Por isso, às vezes sou visto por aí com a barba maior do que deveria. Mas, dessa vez, levei comigo o livro Cross Examination, do grande advogado e escritor que admiro, Marco Alfredo Mejìa.
Enquanto aguardava minha vez, li o capítulo “Tales de Mileto”, um dos primeiros do livro. Logo no início percebi que Mileto representava a lógica. A verdade, dizia ele, flui como um rio. A mentira, por sua vez, é como água parada, estagna. Isso me fez lembrar das acusações genéricas e obscuras, que não condizem com o que determina o artigo 41 do Código de Processo Penal.
O advogado criminalista, sempre se depara com esse tipo de denúncias no dia a dia da advocacia. Mas a verdade é como uma rocha. Não se curva a perguntas contraditórias. Por isso, a importância do Cross Examination bem feito. Ele confronta a acusação inverídica com a melhor arma de todas: a realidade. Após um Cross Examination bem feito, nenhuma história mal contada se sustenta de pé.
O capítulo é bem-sucedido ao afirmar que o advogado não deve apenas combater o mito da mentira criada pela acusação, mas também compreender quem deu origem a essa narrativa. Na maioria das vezes, são os próprios agentes públicos que participam da investigação, que criam essas narrativas unilateral. Mas o autor faz uma ressalva e ressalta que essas atitudes nem sempre são intencionais.
Mas não podemos ignorar que, ao formar uma linha de investigação, o investigador muitas vezes inverte a lógica da busca pela verdade. Em vez de buscar os fatos como são, ele passa a selecionar apenas os recortes que confirmem a convicção já formada. E aqui temos um problema sério. Isso escancara que, muitas vezes, não estão sendo seguidas as normas processuais legais. A coleta de provas, em vez de buscar a verdade, no objetivo de remontar a cena do delito, passa a servir apenas à linha investigativa previamente escolhida pelo investigador.
Isso me fez lembrar de um trecho da excelente e combativa sustentação oral do advogado Jeffrey Chiquini, feita na tribuna do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da tentativa de golpe que o país inteiro está acompanhando. Em sua fala, o advogado afirmou que os agentes de investigação daquele processo “compraram a coleira e saíram atrás do cachorro”.
É por isso que nós, advogados criminalistas, precisamos fazer um Cross Examination bem feito. Quando nos deparamos com um processo que se afasta da lógica, é a defesa que tem a obrigação de puxar o fio da realidade de volta. E, às vezes, tudo o que ela precisa é de uma pergunta certa, feita na hora certa. Porque a mentira não aguenta a pergunta. E a verdade, essa sim, resiste em pé mesmo diante de um contraditório bem feito.
Por: Danilo Siqueira Sousa, 05 de junho de 2025.